Roseli Rodella
O conceito de construção, em Freud, aparece durante toda sua obra e não somente no seu final, principalmente no Homem dos Lobos (FREUD, 1918) onde fez várias menções à ideia de construção. No entanto, como conceito, não obteve tanta atenção como o de interpretação. O próprio Freud concluiu que nas “exposições sobre a técnica analítica, escuta-se pouco a palavra ‘construções’ [e que] a razão disso é que, em vez dela, fala-se de ‘interpretações’ e em seus efeitos” (1937b, p. 333). Lacan utiliza o conceito de construção a respeito da fantasia e nos parece que não deu muita importância a ele, apesar de ter avançado com a ideia de construção da fantasia aproximando-o do percurso da análise e como tarefa do analisante. Na atualidade, em particular nos autores que se fundamentam na clínica lacaniana, a referência a esse conceito praticamente desapareceu dos textos psicanalíticos.
Em Análise terminável e interminável (1937a), já no final de sua obra quando estava preocupado com os destinos das análises, Freud se depara com o que nomeará de rochedo da castração. Após três meses, escreve Construções em Análise (FREUD,1937b),artigo dedicado, exclusivamente, ao tema da construção.
Freud, com esse texto, nos ensina que o inconsciente recalcado se apresenta sob aspecto fragmentado e que a interpretação tocaria em um desses elementos: a “interpretação diz respeito àquilo que se faz com um elemento do material, com uma associação, um lapso etc.” (1937b, p.333). Ou seja, o inconsciente surge sob a forma de fragmentos, pois existe uma parte recalcada que uma análise não consegue reconstituir e que as interpretações do analista também não atingem. A parte recalcada é por ele denominada de recalque originário.
Encontramos, em diversos momentos da obra freudiana, a afirmação de que as associações na interpretação de um material inconsciente convergem para um ponto nodal, para um núcleo que aponta para um limite – que o próprio Freud designa como recalque originário formulado como furo, buraco, ou limite à rememoração. E, quando o faz, estabelece um liame entre a construção e o recalque originário, tal como no texto Uma criança é espancada (FREUD, 1919) ao se referir à segunda fase da fantasia fundamental, a mais importante. No entanto, esta segunda fase não ocorre à lembrança e jamais torna-se consciente e deve ser construída em análise. Há um furo na história do sujeito que não pode ser acessada pelo significante.
Nos textos, Análise terminável e Construções, Freud, ao discorrer sobre o final da análise, nos fala de um resto, pois a barra do recalque nunca se levantará completamente na análise e sugere que a construção deveria ser feita exatamente onde a interpretação encontra seu limite. Freud trata das construções feitas em análise a partir do que é esquecido da história do analisante, pois alguns eventos psíquicos referentes a um período esquecido da pré-história do paciente não podiam ser elaborados através da rememoração. E precisa que se “trata de uma construção, […], quando apresentamos ao analisando uma pedaço de sua pré-história esquecida” (FREUD, 1937b, p.333).
Aquilo que se apresenta nas associações do paciente e nas interpretações do analista como um limite e, portanto, irrepresentável, deve ser construído ou reconstruído. A tarefa de construção partiria do material já fornecido pelo paciente na análise e que o analista comunicaria ao paciente.
O caminho que parte da construção do analista deveria terminar na recordação do paciente; mas nem sempre chega até lá. Frequentemente não conseguimos levar o paciente à recordação do que foi recalcado. Em vez disso, nele obtemos, se a análise foi corretamente conduzida, uma firme convicção da verdade da construção, que tem o mesmo resultado terapêutico que uma lembrança reconquistada” (Freud, 1937b, p. 339-340).
Podemos afirmar que a construção parece indicar que se busca de forma coerente a significação global da história de um sujeito, mas Freud é bem claro nisso ao dizer que mesmo se obtendo uma convicção da verdade através da construção, não se consegue levar o paciente a recuperar a totalidade das lembranças recalcadas. O conceito de construção vem mostrar que na análise não se recuperam todas lembranças, não há uma chave que desvenda todo o recalque originário, uma vez que este é inacessível para o sujeito falante, tal como Freud apontou em Análise terminável e interminável com o rochedo da castração.
Então, Freud retoma a construção porque não podemos recuperar todas as lembranças por causa da inconsistência da verdade, apenas podemos semi-dizê-la, como diz Lacan. O trabalho de construção visaria enlaçar o que há de compulsivo e irrepresentável, que não pôde ser interpretado, e é uma tentativa de atingir de maneira alusiva o núcleo do recalque de tal forma que o construído passe a operar como verdade. Para Lacan, a verdade do analisante tem estrutura de ficção e aqui cabe o trabalho da construção.
Relacionar Construções em análise com Análise terminável e interminável nos faz pensar sobre o que Freud estava elaborando sobre o destino de uma análise, o que fica fixado em uma análise como um impasse, mas não como barreira intransponível. Ambos os textos têm como direção o que retorna de irredutível de uma análise, desse limite de saber, da impossibilidade de se ter acesso ao último significante nomeador da experiência que o sujeito tem com o real, a partir do qual se é convocado a uma produção singular. Aí pensamos na responsabilidade do analista em fazer com que o sujeito não cole nesta questão do destino como o inelutável, tendência de todo neurótico, desmontando esse arcabouço que o sujeito foi tecendo para sustentar sua neurose.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. (1918). História de uma neurose infantil. ESB, v. XVII, Rio de Janeiro: Imago, 1975.
______. (1919). Uma criança é espancada – uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. vol. XVII.
______. (1937a). Análise terminável e interminável, v. XXIII.
______. (1937b). Construções em análise. In: Moisés e o monoteísmo, Compêndio de psicanálise e outros trabalhos. Obras completas, v. 19, 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
[1] ROSELI RODELLA é psicanalista em Aracaju, AME da EPFCL, membro da IF-EPFCL Fórum Nacional Rede Diagonal Brasil, Especialista em Psicologia Clínica e Mestre Psicologia Social – UFS.