Gracia Azevedo
“Os destinos do sintoma” ou“Os destinos de uma análise”
A partir do texto de Freud “As pulsões e suas vicissitudes”¹, poderíamos falar de “Uma análise e suas vicissitudes” em torno do sintoma e a sua gramática no matema da fantasia. Sabemos que Freud, em Análise terminável e interminável², fala dos obstáculos à cura, das pulsões e seus domínios e da impossibilidade de se romper as barreiras da castração.
Para Lacan, é possível ir além das barreiras da castração e da identificação ao analista. A travessia da fantasia³ aponta para o surgimento de um novo saber, uma nova forma de fazer, absolutamente singular.
A uma análise não é possível “dar um destino” – como se diz aqui no Nordeste do Brasil quando se quer descartar alguma coisa – já que, como as pulsões,as análises tornam-se parte da estrutura do sujeito, com o advento de um novo saber-fazer com o seu objeto a,concluídas a partir da constatação da falta no Outro e ao engendramento de um quarto nó, segundo Lacan, o sinthome4, que enlaçaria os três registros RSI.
O Ato psicanalítico5 inaugura esse lugar de análise na economia psíquica do sujeito, que se estabelece a partir de um reposicionamento diante da ameaça de castração, reeditada pelo sintoma. Para Lacan, o Ato está relacionado à cura psicanalítica e ao devir do psicanalista. Aquele que demanda uma análise não se dá conta de que as análises serão suas companheiras, quase como os próprios destinos, encontros forçados, inevitáveis.
Freud fala em amor de transferência6. Afirma que o sujeito aprende a conduzir-se na vida erótica a partir de influências sofridas durante os primeiros anos de vida. Há uma parte da libido que foi retida durante o desenvolvimento e que permaneceu inconsciente. Então essa parte retida se torna vulnerável e passível de se dirigir à figura do analista.
Lacan refere-se à transferência como uma suposição de saber7 e questiona isso, chamando de coalescência da estrutura inconsciente com o Sujeito Suposto Saber. Essa estrutura inconsciente fundamental pode funcionar, em si mesma, sem essa suposição de Sujeito Suposto Saber inconsciente (S2). Cabe ao analista praticar o corte entre a estrutura inconsciente e o Sujeito Suposto Saber, o que faz do neurótico um analisante, constituindo, desde sempre, a transferência.
“As verdades escondidas, os neuróticos supõem suas. É preciso arrancá-los dessa suposição para que eles, os neuróticos, deixem de representar na carne essa verdade.” (Lacan sem.16).
O que provoca uma demanda de análise, senão um desequilíbrio do sintoma? É quando o sujeito não sabe mais o que acontece com ele, ou com o outro na determinação de seu desejo.
Uma noção de coalescência entre a estrutura inconsciente e a transferência é uma novidade em relação a Freud. Ela modifica a inscrição da demanda de análise. A transferência já se encontrava “em andamento”, e o analista já estava lá, na história do sujeito. Poderíamos então perguntar se a demanda de análise não visaria realizar um princípio de estruturação iniciada na infância e não concluída, ou ainda operar um enlaçamento de um desejo de saber sexual, também datado da infância.Daí, a saída da neurose depende da solução dada à transferência. Sem resolver a transferência, não se resolve a neurose.
A compreensão da gênese dos quatro discursos se torna mais clara a partir dessa noção de coalescência. Consequentemente a utilização desses discursos ganha lugar na psicanálise. Na primeira lição do seminário 17 Lacan afirma: “A essência da teoria psicanalítica é um discurso sem palavras.”8
O final de análise, segundo Lacan, consiste em identificar-se ao sintoma, saber-fazer comesse sintoma, saber desdobrá-lo, manipulá-lo. O simbólico está no princípio do fazer. Enfim, ele precisa que, no discurso analítico, a ligação S1 S2 seja rompida; S1não representa o sujeito para S2, e essa ruptura, que Lacan designa Outrobarrado (Ⱥ), apresenta o inconsciente. É o encontro do $ com o seu objeto a.
“O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de se obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um amor sem limite, porque fora dos limites da lei, somente onde ele pode viver.”9
A diferença absoluta não é a diferença sexual? Aquela que é absoluta por não instaurar nenhuma relação entre os sexos?
Chegando ao destino, quais os destinos de uma análise? Saber-fazer com o sintoma, saber do seu sintoma e torná-lo “velho conhecido”.Experimentar o desejo de analista, ter a possibilidade de marcar a diferença absoluta, promover o encontro com esse furo que, apesar do nome, é estruturante e revelador dessa condição humana de ser dejeto. E seguir adiante, dando destino aos dejetos…
Bibliografia:
Freud, S. – As pulsões e suas vicissitudes, 1915 – E.S.B. Vol. XIV
Freud, S. – Análise terminável e interminável, 1937 – E.S.B. Vol. XXIII
Freud, S. – A dinâmica da transferência, 1912 – E.S.B. Vol. XII
Lacan, J. – Proposição de 09 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola, 1967 – Outros escritos. Jorge Zahar ed. 2003
Lacan, J. –sem. 22 R.S.I. inédito. 1975
Lacan, J. – Sem.15 O ato psicanalítico. Inédito. 1967
Lacan, J. – Sem. 16 De um Outro ao outro, 1968. Jorge Zahar Ed. 2008
Lacan, J. – Sem. 17 O avesso da psicanálise, 1969. Jorge Zahar Ed. 1992
Lacan, J. – Sem. 11 Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, 1964. Jorge Zahar Ed. 1996