Eliane Z. Schermann
“Destinos das análises” é um tema muito amplo que nos sugere primeiramente pesquisar qual o sentido do termo destino, segundo Freud.
No texto “O problema econômico do masoquismo”, Freud (1924) assevera que “a última figura na série iniciada com os pais é o poder sombrio do Destino, que apenas poucos dentre nós são capazes de encarar como impessoal”[1].
Poderíamos acrescentar a expressão usada por Edgar Alan Poe e discutida por Lacan em “A carta roubada” sobre o que, do “destino”, pode ser evocado na experiência de análise: “toda carta/letra/objeto a alcança seu destino”[2]. E ao abordarmos o objeto a (núcleo elaborável em um discurso e que não passa de um semblante), estamos também falando dos destinos da pulsão que não têm outra forma de se manifestar senão através do campo do Outro.
A esse tema, “destinos das análises”, eu acrescentaria outras duas questões: a forma-ação do analista, à qual Lacan se dedica por todo o seu ensino e a experiência ética e responsável do inconsciente, o que lhe permitiu refletir sobre os finais de análise, até evocar o passe como “saber vão de um ser que se desvela”, ou seja, “impasse/equívoco do sujeito suposto saber”, ou ainda destituição subjetiva do analisante e des-ser do analista, “miragem da verdade”.
Até chegar ao seu conceito de “desejo do analista”, Lacan percorreu diversas questões, indagando aquilo que a psicanálise ensina, ou seja, o que é o saber do psicanalista? A que tipo de trabalho se dedica o psicanalista? Segundo Freud, e retomado por Lacan, a psicanálise nos ensina, no mínimo, três modalidades de trabalho: trabalho do sonho (Traumarbeit) e das formações do inconsciente, de um modo geral, o trabalho de luto (Trauerarbeit) e o último identificado como trabalho da transferência (Durcharbeit). Uma vez acionado, uma vez causado pelo desejo, resta ao sujeito, ao final do que consideramos um dos efeitos da travessia da castração, a transferência de trabalho.
O analista é uma experiência. Seu ato dá provas desta experiência. Para entender o que é o ato do analista, temos de refletir sobre o corte, sobre a interpretação como equívoco, os efeitos de sentido “entre enigma e citação”. Quando falamos de tempo em psicanálise, falamos de tempo lógico e não cronológico: instante de ver, tempo de compreender e momento de concluir. Contudo, o tempo do ato analítico é a posteriori. O ato alcança seu destino ao ser lido só depois. E podemos acrescentar: somente o ato do analista faz perseverar os efeitos do discurso analítico.
Enfim, podemos até indagar o que se enlaça e se desenlaça no inconsciente e que podemos considerar como constituindo o próprio inconsciente? De que “matéria” se constitui o inconsciente? Lacan define no Seminário 16, De um Outro ao outro: o inconsciente, pulsação temporal dos efeitos da linguagem, é “um discurso sem palavras”. Pode-se, então, enfocar a travessia, na experiência de análise, do que resta do sintoma e da fantasia pela via das pulsões até alcançar o que surpreende e advém do âmago do ser.
Afinal, não é precisamente isso que podemos tomar como destino da análise, no dizer de Freud? Wo Es War, Soll Ich Werden para traduzi-la por: “Onde era o sujeito dividido, deve o objeto a advir”.
Dezembro/2018
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, S. O problema econômico do masoquismo, (1924). Em: Obras completas, Ed. Standard. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1974, v.XIX. p. 187-188
________. “Análise terminável e interminável”, (1937). Em: Obras completas, Ed. Standard. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1974, v. XXIII.
LACAN, J. A carta roubada, Escritos, RJ, JZE, 1998.
LACAN, J. O ato analítico. Outros Escritos. RJ, JZE, 2003.
————–. O aturdito. Outros Escritos. RJ, JZE, 2003.
————–. O engano do sujeito suposto saber. Outros Escritos. RJ, JZE, 2003.
________. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ, JZE, 1985.
________. O Seminário, livro 14: A lógica da fantasia (1966-1967). Inédito.
________. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro (1968-1969). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2008.
________. O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise (1969-1970). RJ, JZE, 1992.
________. O Seminário, livro 20: Mais, ainda (1972-1973). RJ, JZE, 1982.
________. Televisão. RJ, JZE, 1993.
* Eliane Schermann é psicanalista no Rio de Janeiro, AME da EPFCL, membro do FCL Diagonal Rio, Mestre em Psicologia/FGV e Doutora em Psicologia/UFRJ
[1] FREUD, S. O problema econômico do masoquismo, (1924). Em: Obras completas, Ed. Standard. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1974, v.XIX. p.187-188
[2] LACAN, J. A carta roubada, Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998. p.13